terça-feira, 9 de junho de 2015

Só pode ser culpa do revisor



Um jornal do Rio de Janeiro publicou, não há muito, na manchete, a locução adverbial “à beça, com cê-cedilha, como manda o figurino. O diretor foi à redação, reclamar do redator-chefe:

— O senhor viu a manchete?

— Vi.

— Quem é o responsável?

O redator-chefe chamou o editor:

— O senhor viu?

— Vi.

— Quem é o responsável?

O editor chamou o secretário:

— Viu?

— Vi.

— Quem é?

O secretário chamou o chefe do copidesque:

— Viu?

— Vi.

— Quem?

O chefe do copidesque chamou um sofredor de sua seção:

— Quem?

O reescrevedor chamou um repórter:

— Passei a notícia pelo telefone.

Assim, voltou do reescrevedor para o chefe do copidesque, deste para o secretário, para o editor, para o redator-chefe e para o diretor, a informação de que ninguém na redação era responsável. Em consequência, chamaram o chefe da revisão. E o diretor foi severo:

— O senhor viu “beça, com cê-cedilha, na manchete?

— Vi, sim, senhor. Vi em cima da hora. Se não chego a tempo, saía com dois esses...

O diretor perdeu o rebolado. Esperava tudo, menos aquela informação de que dois esses estariam errados. Mas não perdeu a dignidade de diretor:

— Espero que isso não se repita.

— Isso o quê?

—  O senhor ser forçado a trocar letras em cima da hora.

— Sim, senhor.


(HOLANDA, Nestor de. Ignorância ao alcance de todos: cartilha da analfabetização sem mestre. 6. ed. Rio de Janeiro: Letras & Artes, 1965)