sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Quem mexeu no meu hífen?


O primeiro registro lexicográfico de pé-de-moleque com hifens
(Diccionario brazileiro da lingua portugueza, Antonio Joaquim de Macedo Soares, 1889).


De 8 a 14 de outubro de 1990, em Lisboa, os representantes dos sete países que haviam assinado o acordo de 1986 no Brasil ratificaram suas posições [...]. No caso do hífen, os países adotariam as complicadas regras que já eram motivo de piadas no Brasil, como a mudança de contra-senso para contrassenso e auto-retrato para autorretrato, em que um traço é substituído por uma letra adicional. Nas exceções consagradas pelo uso, a água-de-colônia continuaria com seus dois hifens, mas o pé-de-moleque ficaria sem os seus, gerando dúvidas sobre o critério utilizado pelos acadêmicos para definir a expressão consagrada pelo uso. Vendidas no Brasil desde o século XIX, as águas de Colônia nunca haviam portado hifens, nem nos rótulos, nem nas menções da imprensa, enquanto pé-de-moleque, duplamente hifenizado, já era registrado desde 1878 em jornais, e 112 anos de uso pareciam ser um período mais que suficiente para uma consagração.


(GEHRINGER, Max. Quem mexeu no meu trema?. São Paulo: E-Galáxia, 2014. p. 105-106)

terça-feira, 15 de setembro de 2015

O dia em que o gramático quis enforcar o revisor

O gramático Napoleão Mendes de Almeida em seu escritório no centro de São Paulo (1993) - Arquivo FSP



Contou-me Napoleão Mendes de Almeida que, por ordem expressa de Júlio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, não se usava no jornal o substantivo fracasso – italianismo que, segundo o chefe, devia ser substituído por sinônimos de etimologia portuguesa, como malogro. Napoleão mantinha, no jornal dos Mesquitas, a coluna Questões vernáculas, em que respondia a perguntas dos leitores. Um deles, mais atento, indagou por que, n'O Estado, não se lia o termo fracasso, de uso tão frequente. O professor escreveu a resposta:


Sempre que possível, convém escoimar o texto de estrangeirismos como fracasso. Dispomos, em português, do correspondente malogro, que equivale à perfeição ao italianismo a que se refere o prezado leitor. Agora perguntamos: se temos, em nosso idioma, palavras de tão legítima formação, como malogro, por que dar preferência ao exótico fracasso quando podemos, em muito melhor português, substituí-lo pelo vernáculo malogro?

Ao receber os originais da coluna, o obediente revisor não teve dúvidas: onde havia fracasso, punha uma emenda para que se lesse malogro... A coluna virou, assim, um verdadeiro samba do crioulo doido:

Sempre que possível, convém escoimar o texto de estrangeirismos como malogro. Dispomos, em português, do correspondente malogro, que equivale à perfeição ao italianismo a que se refere o prezado leitor. Agora perguntamos: se temos, em nosso idioma, palavras de tão legítima formação, como malogro, por que dar preferência ao exótico malogro quando podemos, em muito melhor português, substituí-lo pelo vernáculo malogro?

O professor Napoleão quase morre de infarto: passou uma semana de cama, a pensar no sentimento que mais o consumia — se o desejo de estrangular o revisor ou a vergonha que sentia dos leitores...


(CAMINHA, Edmílson. Lutar com palavras. Diário do autor escrito no período de agosto de 1998 a dezembro de 2000. Brasília: Thesaurus, 2001, p. 147-148)

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Falsas atribuições de autoria, parte XVIII

Atentado a bomba contra a sede da Civilização Brasileira, em 14 de outubro de 1968


A famigerada máxima “Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê” é frequentemente atribuída, Internet afora, a Monteiro Lobato, Malba Tahan e Alfredo Maia. Alguns livros também fazem essas referências, todas elas equivocadas, e é bem provável que a qualquer momento inventem mais outras atribuições de autoria. Além de essas menções serem levianas ou até desonestas, contribuem para deixar no esquecimento um peculiar fato histórico envolvendo tal frase.

Ela é, na verdade, o slogan adotado* pelo editor Ênio Silveira (1925-1996) para a Civilização Brasileira, editora que ele dirigiu por décadas. Durante os anos 60, na fachada da sede da editora, localizada na rua Sete de Setembro (Rio de Janeiro, capital), ele mandou fixar um grande cartaz com esses dizeres, consagrados como o lema da casa.

Em 1968, dois meses antes do AI-5, um atentado a bomba na sede — que publicava autores de esquerda e servia como ponto de encontro de vários intelectuais — destruiu parcialmente essa fachada (foto), tendo o cartaz resistido ao 
terror cultural, expressão criada na época pelo escritor Tristão de Athayde e que chegou até mesmo a ser usada pelo então ditador Castelo Branco ao questionar seu chefe de gabinete militar, Ernesto Geisel, sobre a necessidade de (uma nova) prisão do grande editor, já então detido várias vezes durante seu governo.

Moral da história: Quem não consulta referências, mal sabe, mal cita, mal lê.



* Nenhuma das fontes consultadas afirma literalmente que tal lema tenha sido criado por ele mesmo, embora isso pareça possível, já que se tornou originalmente conhecida como slogan de sua editora.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O marquês do improviso

Dizem que Francisco Villela Barbosa (1769-1846), Marquês de Paranaguá, teria sido um dos nossos maiores poetas se a política não tomasse todo o seu tempo, deixando de consagrá-lo como um de nossos melhores improvisadores.

Poucos antes de morrer, ele jogou à fogueira preciosa coleção de poesias, de significativo valor literário. Um ou outro desses escritos e ligeiros improvisos, nunca publicados, chegaram a ser guardados por algumas pessoas.

Este trecho, retirado do artigo "Poetas repentistas", publicado no periódico Revista Popular (Rio de Janeiro) em 1862, relata a ocasião em que ele conheceu sua esposa, encantando-a de imediato com alguns versos improvisados: