sexta-feira, 1 de julho de 2011

A vila revisitada

 
Para os que visitam o tantas vezes recitado Goiás Velho, a Vila Boa de Goiás, é dada a chance de descobrir, por meio de simpático busto debruçado à janela, o lar de sua mais famosa doceira. A vontade imediata é poder logo adentrar, folhear a intimidade do livro da vida daquela senhora – preservado em forma de museu – e ouvir a guia contar as estórias de Cora entrelaçadas à história da Vila.

Mas repentina insatisfação surpreende o viajante sedento de registros: o interior da casa é proibido retratar... Resta-lhe então buscar – tal qual fez a poeta – os temas que a inspiraram nos arredores da residência e da cidade. E é sem esforço que nos deparamos com estórias sendo contadas bem ali, na ponta de nossos pés, a partir das ruas de pedra; mais adiante, na beleza remota das igrejas coloniais; e se ousarmos bater às portas, continuamos a saber mais pelos contos das vizinhas doceiras, enquanto preparam guloseimas.

E assim se experimentam as sinestesias que inspiravam poemas e contos: saboreando, no rio que margeia a casa, a deliciosa sonoridade; ouvindo, no verde do quintal, a silenciosa serenidade; visualizando, nas iguarias das vizinhas, a imortal doçura.




Quem lê Cora também vê a Vila. E estar na Vila é ler Cora. Para o viajante, passeio se torna leitura; e seus passos, versos.

Voltemos a reparar agora o busto senil à janela: seria mesmo preciso? Ora, em vez da mera escultura, por que não deixar que descubram sua essência por meio de todos os doces, verdes e pedras que testemunham a mais cotidiana criação literária daquela vila?

Ao sair da casa, vemos que ela está do jeito que Cora deixou. Assim como, ao partir da cidade, vemos que Goiás Velho permanece como a poeta deixou, retratado em seus versos.