segunda-feira, 22 de agosto de 2005

Ascensão e queda de um rude plebeu

Matéria sobre o média-metragem de 1983 no Correio Braziliense (27/03/2001).

Parte I: Ascensão

Era bom demais pra ser verdade. Tive um orgasmo mental quando abri o jornal naquela terça e li o artigo. Não era a primeira vez que Daniela Paiva, jornalista sempre sensível à causa roqueira, nos dedicava uma página inteira na capa do caderno de cultura. Dessa vez anunciava uma mostra de cinema punk, deixando lá no finzinho da página a minha chance de realizar um antigo sonho: hora e local de exibição do lendário vídeo caseiro produzido pelos rudes plebeus junto com o rei dos legionários. Uma raridade de 20 anos atrás que parece ter previsto o futuro da minha banda brasiliense favorita. E tal sonho não me custaria um centavo:


Entrada franca!


Pelo menos foi o que os organizadores anunciaram no jornal...


Parte II: A Queda

Foi prazeiroso chegar ao Centro Cultural por volta das 20h30 e encontrar várias figurinhas punks (?) da cidade reunidas numa só fila, numa reprodução fiel de uma fila do Porão do Rock... Foi uma dessas figuras que me avisou logo de cara: "véi, tem que pegar ingresso..."

"Como é que é?..."

"Isso mermo, corre lá que deve tá esgotando..."

Corri, em vão. Um cara vestido com a camiseta da tal mostra punk tava lá parado na bilheteria com cara-de-tacho só pra dizer "tem mais não... ingresso esgotado"... "Tem como entrar mais não".

"COMO ASSIM??? Lá no jornal cês avisaram só que era ENTRADA FRANCA, não tinha nada de MEDIANTE RETIRADA ANTECIPADA DE INGRESSOS NA BILHETERIA"!!!
[desnecessário reproduzir o palavreado punk hardcore que vociferei contra ele]

O cara-de-tacho não moveu um músculo do rosto ou do corpo. Enquanto isso, na entrada da caixinha de fósforo que era a sala de exibição do filme – inadmissível um Centro Cultural de proporções faraônicas ter uma salinha daquelas – outro indignado que veio de Taguatinga impulsionado pelo mesmo sonho tentava argumentar e convencer o segurança que recolhia os ingressos a deixar a gente entrar... Inutilmente. Pra consolidar a clima anti-rock, um punk de butique com a boca cheia de piercings posando de responsável pela sessão com o curta ainda pediu pra chamar um dos guardas pra fazer cena de "tô na área" diante dos excluídos, como se alguém ali o ameaçasse de morte – e deveriam mesmo: entrei no embalo e me uni a outros barrados no coro de xingamentos. Não havia tanta gente do lado de fora, de onde dava pra ver que, lá dentro, havia espaço de sobra pra sentar, deitar e ficar de pé... Quem se importava? Tudo o que queríamos era finalmente poder conferir o histórico curta pelo qual Renato Russo e os integrantes da Plebe Rude levaram o prêmio de melhor filme experimental do Festival de Cinema em 1983. E tudo o que repetiam é que haviam distribuído uns 120 ingressos antecipados e que a caixa de fósforos já estava lotada. Argumentamos que a entrada de mais alguns palitos não faria nenhuma diferença. E continuaram com a mesma ladainha. Um amigo quis me convencer a sair logo dali dizendo que era só fazer uma busca pelo Kazaa que eu baixava e assistia em casa mesmo. "Nãããão!!! *@$%¨&*# nenhuma!" Já havia procurado antes e nunca tinha achado... Mas passados uns 40 minutos após o início da sessão, eu e os demais excluídos – quem diria, da mostra de um movimento que sempre encarnou o espírito do rock de protesto – vazamos de lá, devidamente frustrados com o concreto rachado do CCBB.

São essas e outras que me fazem pensar que o punk deve estar mesmo enterrado desde 1983.

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

Mesquinharia servida à mesa

12:50h. Refeitório do Comando da Aeronáutica. Em meio à refeição, percebi - não tinha como não perceber - a algumas mesas de distância, a intensa conversação de um grupo de algumas "colegas" de trabalho, que só naquele horário tinham a oportunidade de, em panelinha, encontrar-se pra atualizar as fofocas do dia.

Não, não estou sendo maledicente em afirmar que tratavam de fofocas: não tive nenhuma dificuldade em perceber que falavam [muito] mal dos outros, pois pela altura do papo entendia-se que queriam mesmo era que todo mundo ou pelo menos alguém ouvisse. Mesmo que não fosse possível ouvir, estava nítido no olhar de sarcasmo e deboche de algumas delas o frenesi anal que experimentavam em se ocupar da vida alheia.

E atenção para o prato do dia: a vida dos outros!

Pegue um talher e vá espetando: "...tadinho, olha lá a esperança dele"... "pelo menos ela é bonita... mas ela é noiva, etc... " imagino que em algum momento até falaram [muito] mal de mim, que me encontrava no campo visual delas, tornando-me provavelmente alvo fácil e certeiro de suas intrigas inúteis - mas que faziam a felicidade fugaz de cada uma ali presente. Se não sabiam de nada, inventavam. Se já tivessem inventado, aumentavam. E dá-lhe fermento.

Após considerável troca de informações valiosíssimas - não devem ter levado muito tempo com a boca cheia - levantam-se e se despedem, visivelmente saciadas: o prazer em escarnecer do próximo acabou de lhes permitir um orgasmo dificilmente atingido com seus respectivos parceiros.

Parafraseando Woody Allen, como posso acreditar em Deus se na semana passada encontrei criaturas que jamais poderiam ter sido concebidas em sua [suposta] infinita misericórdia?